sexta-feira, maio 05, 2006

Os Ensinamentos de Quíron a Esculápio




Quíron era o mais sábio dos centauros mitológicos, sob a sua alçada estiveram por exemplo Apolo e Aquiles. Dizem as lendas que os grandes Reis da antiguidade clássica entregavam os seus primogénitos para serem instruídos por Quíron.

Se pararmos um pouco para reflectir é perceptível o porquê da elevada reputação de Quíron. O Homem para atingir a plenitude do seu potencial deverá conhecer a dualidade que lhe é inerente, deverá conhecer o seu lado racional e o seu lado emocional, o seu lado de sinal positivo e o seu lado de sinal negativo, o seu lado masculino e o seu lado feminino, o seu lado besta e o seu lado humano – quem melhor do que um ser divino meio animal e meio humano para o ensinar?

Esculápio ou Asclépides, conhecido como o Deus da Medicina foi instruído por Quíron na arte de curar. Quíron deu a Esculápio quatro ferramentas elementares, dizendo-lhe que se as usasse com a devida proporcionalidade e discernimento curaria todos os enfermos de todos os males e preveniria que outros caíssem em desgraças semelhantes.

As ferramentas são:
A Faca; a Planta; a Terra e a Palavra.

Pela “Faca” Quíron quis falar em todas as práticas terapêuticas de preocupação curativa e interventora no corpo do enfermo, ou seja, por “Faca” deveremos entender práticas como a cirurgia, o acto de fricção da massagem, a manipulação osteopática, a acupunctura, etc., ou seja, todas as práticas de carácter intrusivo, de carácter penetrante, de carácter fálico e por essa razão de sinal masculino, positivo (positivo de sinal + e não positivo de correcto ou certo), interventivo e actuante.

Pela “Planta” Quíron quis falar na utilização de substâncias medicinais, que na altura seriam plantas medicinais e hoje serão os fármacos. Como é perceptível esta é mais uma ferramenta de preocupação curativa e interventora no corpo do enfermo, tal como a anterior, e por esta razão é também de sinal +.

Pela “Terra” Quíron quis falar nas práticas terapêuticas e/ou preventivas, pois sob o elemento Terra encontramos a argila ou terra curativa tanto na sua vertente medicinal como na sua vertente mais mágico-religiosa, no sentido de ligação a Gaia, a mãe Terra. A ferramenta “Terra” remete de uma maneira mais premente e evidente para a analogia entre este elemento e a condição uterina da mulher, ou seja, é a terra que cria as condições para a germinação da semente, é a terra, elemento passivo que nutre a semente, que lhe cria as condições para o seu desenvolvimento. Desta forma, a ferramenta “Terra”, mais do que elemento curativo, é uma ferramenta que visa criar as condições propícias à cura ou à boa saúde. Um bom exemplo da aplicação da ferramenta “Terra” será o trabalho em equipa numa unidade de prestação de cuidados de saúde, pois é através de um verdadeiro espírito de equipa entre os vários profissionais envolvidos que se melhora a eficácia e eficiência dos cuidados prestados. Outro exemplo da aplicação da ferramenta “Terra” mas agora numa óptica mais preventiva será a prática de exercício físico regular e a adopção de um estilo de vida mais saudável, ou seja, desta forma o indivíduo cria as condições para que o seu corpo físico, mental e espiritual mais depressa reencontre o seu estado de equilíbrio e assim se furte a descompensações face a constantes agressões de que é alvo no dia a dia.

A última ferramenta corresponde à “Palavra”, e esta ferramenta, a exemplo da anterior é também de sinal –, feminino. Quíron quis dizer com a ferramenta “Palavra” que através da comunicação verbal e não verbal com o indivíduo Esculápio tinha a oportunidade de utilizar esta mesma relação com o outro como um instrumento terapêutico e preventivo de per se. Através da relação com o outro é possível tentar fazê-lo perceber a necessidade de adoptar posturas e comportamentos conducentes ao reequilíbrio do estado de saúde quando esta se encontra descompensada ou manter a mesma em estado de harmonia.

Pegando novamente no tema da dualidade ou dicotomia, nos contrários presentes nas mais pequenas coisas da vida (no Yin e Yang dos orientais, por ex.), podemos começar por observar estas quatro ferramentas à luz deste conceito, e assim temos:
• Faca: elemento de sinal positivo, masculino, fálico e activo;
• Planta: elemento de sinal positivo, masculino, fálico e activo;
• Terra: elemento de sinal negativo, feminino, uterino e passivo;
• Palavra: elemento de sinal negativo, feminino, uterino e passivo.

Nestes quatro elementos vemos assim a dicotomia patente entre masculino e feminino, entre positivo e negativo e entre activo e passivo, que apesar de contrários ou em pólos opostos, complementam-se. Desta dicotomia podemos ainda extrapolar para a dicotomia no próprio homem, ou seja, a dicotomia corpo-mente, que apesar de aparentemente em pólos opostos, complementam-se.

O pólo “corpo” corresponderia então ao aspecto material do homem e ao pólo “mente” corresponderia o aspecto mental, intuitivo, cognitivo e não-físico do homem.

Os antigos identificavam esta dicotomia também com o número quatro – o elemento quaternário. Pitágoras, o filósofo dos números, falou-nos nos quatro elementos da natureza: Água, Fogo, Ar e Terra. No entanto, mesmo estes elementos pertencentes ao quaternário são eles mesmos duplos ou dicotómicos, ou seja, como elementos de índole mais material e concreto teríamos a Água e a Terra, e como elementos menos densos ou materiais teríamos o Fogo e o Ar, no entanto todos fazem parte do quaternário. Aliás, a própria cruz que nos habituámos a identificar como símbolo do cristianismo é em si mesmo um símbolo desta dicotomia, um símbolo de vida e não de morte, representado a haste horizontal o plano material da vida e a haste vertical o seu plano espiritual, estando a virtude na intersecção dos dois (já lá diz o ditado português “no meio é que está a virtude”…). Esta mesma cruz já era usada por exemplo, pelos hindus apelidando-a de swastika, um símbolo hoje maldito devido à profanação realizada por Hitler.

Mas atentemos um pouco melhor à simbólica desta cruz arcaica, a swastika, ela diz-nos que estes dois aspectos da vida do homem, para ser relacionarem eficazmente e assim proporcionarem vida e não estagnação têm que estar em movimento, e é exactamente isso que a swastika significa, uma cruz em movimento, por esta razão é que existem as pequenas hastes verticais perpendiculares a cada uma das hastes maiores, ou seja, querem apenas significar movimento.

Voltando agora a Pitágoras, podemos encontrar esta mesma ideia nos seus ensinamentos. Se pegarmos numa folha de papel e desenharmos quatro pontos equidistantes temos a representação gráfica de um quadrado, mas se, tal como na cruz lhe aplicarmos um quinto elemento ou quinto ponto no centro já se torna possível edificar algo, no caso uma pirâmide. A Questão está é em como é que edificamos esse algo, o que é essa quinta essência que faz a cruz movimentar-se e o quinto ponto pitagórico ascender e assim reproduzir a pirâmide?

Ou trazendo a questão para os ensinamentos de Quíron, como é que fazemos funcionar a quadratura por ele ensinada a Esculápio?

A resposta encontramo-la no quinto elemento, na quintessência, ou seja, no acto criativo e de doccere, ou seja, no acto de ensinar. A palavra doccere é a base da palavra docência ou ensino bem como da palavra medicina. Desta forma poderemos resumir esta ideia dizendo apenas que cabe ao profissional de saúde usar as quatro ferramentas colocadas à sua disposição por Quíron, no entanto, nada poderá realizar se não as souber usar adequadamente, e isto só se obtém ensinando o indivíduo alvo da intervenção a usufruir ele mesmo destas quatro ferramentas. O terapeuta tem a responsabilidade de provocar no indivíduo a necessidade e a vontade em abraçar atitudes e comportamentos modificadores de hábitos de vida, deverá assumir que para obter o equilíbrio ou mesmo a cura só o poderá fazer plenamente se assumir definitivamente as suas responsabilidades e papéis no seu próprio processo de cura, não delegando toda a iniciativa e responsabilidade no técnico de saúde.